sábado, 11 de setembro de 2010

Um salto alto no poder

Tânia Cosentino, presidente da Schneider Electric no Brasil: “As mulheres precisam deixar clara sua ambição e trilhar a própria carreira”
Tânia Cosentino, presidente da Schneider Electric no Brasil: “As mulheres precisam deixar clara sua ambição e trilhar a própria carreira”


 Entrevista
Primeira brasileira a assumir a presidência da Schineider Eletric, a engenheira paulista Tânia Cosentino conta como foi sua escalada até o topo e os maiores desafios na gestão da filial brasileira 

Por Daniela Diniz


Entre as 100 maiores empresas listadas no anuário Melhores & Maiores, publicado por EXAME, não há nenhuma mulher na presidência. Entre as 150 companhias que compõem o Guia VOCÊ S/A-EXAME – As Melhores Empresas para Você Trabalhar, esse número sobe, mas pouco — apenas 4% delas exibem saltos altos no poder. Num país em que a maioria das mulheres se distancia do topo, a paulista Tânia Cosentino, de 44 anos, tem história para contar. Formada em engenharia elétrica após passar por um curso de eletrotécnica, Tânia se acostumou a ser minoria nos seus ambientes. “Dos 30 alunos no curso técnico, apenas cinco eram meninas”, conta. Após 27 anos atuando na área elétrica, Tânia chegou ao primeiro lugar, em fevereiro de 2009, ao assumir a presidência da francesa Schneider Electric, especialista global na gestão de energia e automação, com 2 000 funcionários no Brasil. Não foi somente a primeira a mulher a conquistar o cargo de número 1 na empresa, mas também a primeira brasileira no cargo. Instalada no país há 62 anos, a empresa acumulava apenas franceses no seu quadro de presidentes. Uma realidade que, segundo Tânia, está mudando. “Até 2008, tínhamos três presidentes mulheres nas operações da Malásia, Costa do Marfim e Taiwan”, diz ela. “Hoje, temos mais três: no Brasil, nos Estados Unidos e uma espanhola na operação alemã.” Nesta entrevista exclusiva concedida a VOCÊ RH, Tânia fala sobre a importância da diversidade no mundo corporativo, das dificuldades encontradas pelas mulheres no caminho ao topo e do desafio de desenvolver pessoas para o atual mundo dos negócios.

Você assumiu a presidência em fevereiro. Como foi o processo para chegar ao topo? Há aproximadamente três anos, eu decidi deixar clara a minha ambição. Sabia que era uma high potential, mas era preciso mostrar que eu gostaria de subir. Falei para o presidente que eu gostaria de ser preparada para um dia ser presidente. Perguntei o que deveria fazer para isso. A partir daí identificamos minhas lacunas para poder trabalhar. Percebemos que me faltava vivência internacional e, por isso, abracei a oportunidade de trabalhar no escritório central da empresa, em Paris, atuando como diretora de desenvolvimento de negócios. Esse movimento me permitiu conhecer melhor o funcionamento da empresa bem como desenvolver uma rede de relacionamentos que iriam ajudar em minhas futuras posições.

Deixar clara sua ambição foi decisivo no processo de subida ao topo? Se eu não falasse, era possível que não fosse considerada para o cargo, apesar de ser reconhecida como uma high potential. As mulheres, em geral, têm mais dificuldade de sinalizar sua carreira do que os homens. Discutimos bastante isso num workshop que realizamos para falar da carreira das mulheres na empresa. Elas precisam gerenciar suas carreiras e não deixar que os outros decidam por elas.

São ainda raras as mulheres que chegam à presidência no Brasil. Além da dificuldade de se expor, quais outros obstáculos elas encontram? Você encontrou? A dificuldade maior das mulheres é a de construir uma rede de relacionamento, porque o mundo corporativo é muito masculino, o que força também a masculinização das executivas. Eu não posso dizer que encontrei obstáculos na carreira por ser mulher. Acabei conquistando áreas importantes numa empresa que valoriza a diversidade. Isso é importante também. Estar num ambiente que presta atenção nisso. Do contrário, você pode se prejudicar. O CEO da Shneider briga para ter mais mulheres na liderança. É uma maneira de termos presença global.

Quanto é a presença feminina na Schneider no Brasil? E quanto elas representam na liderança hoje?
Temos 60% de homens e 40% de mulheres. Elas representam 20% nos cargos de liderança na Schneider Brasil hoje. Até 2008, tínhamos três presidentes mulheres — nas operações da Malásia, da Costa do Marfim e de Taiwan. Hoje, temos mais três: Brasil, Estados Unidos e uma espanhola na operação alemã.

E a questão do equilíbrio vida pessoal x profissional. Na sua opinião, isso afasta as mulheres do poder? Todos executivo enfrenta o dilema de encontrar esse equilíbrio. É muito mais difícil para as mulheres com dupla jornada, principalmente para as que têm filhos. Para não gerar frustrações futuras, o executivo — homem ou mulher — precisa gostar muito do seu trabalho e, sobretudo, planejar sua rotina para não deixar de lado coisas importantes. Às vezes, é necessário priorizar o trabalho. Precisamos levar em consideração que um bom balanço não é necessariamente o tempo dedicado a diferentes atividades, e sim a qualidade. Eu trabalho mais de 12 horas por dia, às vezes também durante fins de semana ou férias. Meu marido e minha família sempre me apoiaram. A decisão de mudar para a França em 2008 contou com o apoio de todos eles, pois fui para ficar sozinha por um ano.

Você abriu mão de alguma coisa para subir? Para subir, você sempre vai ter de abrir mão de alguma coisa. Eu não acho que perdi coisas, mas abri mão. Gosto muito do que faço. Sou casada, não tenho filhos, mas por uma opção do casal. Ficar um ano sozinha na França não foi fácil. Felizmente meu marido decidiu me acompanhar. Em setembro de 2008, ele se mudou para Paris para ficar comigo.

Como uma líder mulher, você pretende desenvolver ações focadas na carreira da mulher na Schneider Electric Brasil? Tentamos atrair mais mulheres, principalmente nas áreas técnicas e comercial. Como especialistas na gestão de energia, precisamos de um grande corpo técnico. No Brasil, o número de engenheiras ainda é muito reduzido se compararmos com o número de homens. Nosso objetivo é fomentar o desenvolvimento de nossos talentos, independentemente de ser homem ou mulher. Temos uma ampla grade de treinamentos técnicos, comportamentais e gerenciais na empresa. Portanto, tenho como missão atrair mais mulheres e continuar investindo em treinamentos e desenvolvimento para nossos profissionais.

Depois de um ano na França, você já era a escolhida para substituir o presidente no Brasil? Não. Eu era uma das candidatas. A Schneider já havia começado um processo de nomear presidentes oriundos dos países onde estão suas subsidiárias. Fiquei sabendo no final do ano passado.

Ao assumir em meio à crise, qual foi sua primeira ação? A Schneider Electric Brasil dobrou seu faturamento nos últimos quatro anos e, consequentemente, aumentou seu quadro de funcionários. A crise impactou nosso negócio no início do ano e tivemos de desligar pessoas, cerca de 3% do quadro. A recuperação começou no terceiro trimestre e já começamos a contratar novamente. Precisamos também definir prioridades, como complementar o portfólio por meio de aquisições e investir no capital humano.

E qual é seu maior desafio como presidente? Redirecionar nossas forças para atender a novos segmentos de uma forma competente. Durante muito tempo, o foco da Schneider era vender o produto. Agora, nós vendemos solução. Temos, por exemplo, uma oferta específica para a população de baixa renda, que não acessa a eletricidade de forma segura. Eu preciso, portanto, de profissionais capazes de entender necessidades como essas e desenvolver soluções. O problema é que não existem pessoas qualificadas para suprir essas demandas. O mundo cresceu numa velocidade que o país não foi capaz de acompanhar. Temos dificuldade de encontrar pessoas em qualquer nível, e isso se intensificou com o forte crescimento do país. O desafio é trazer novas competências.

De que forma vocês têm feito isso? Investindo internamente por meio de programa de estágio e treinamentos para desenvolver áreas de competências. É preciso desenvolver esse pessoal dentro da nova tendência de mercado: conectividade, produtividade e redução de custos. Os gerentes comerciais estão recebendo coaching para saber como liderar uma equipe de vendas de alta performance; outros estão recebendo treinamentos específicos na área de relacionamento com clientes, como gerenciar projetos.

Essa tem sido uma das grandes demandas da área de recursos humanos. Como você trabalha com a área de RH? Sempre gostei muito de trabalhar com pessoas e sempre suportei o RH como par. Quando assumi, fiquei responsável pela área de RH interinamente por seis meses e aprendi muito de seus principais desafios: comunicação, atração de talentos, treinamentos, desenvolvimento profissional. Defini junto ao RH o Programa de Carreira e definimos também juntos o Programa de Treinamentos e Comunicação. O trabalho da equipe de recursos humanos é bastante pesado (são ao todo 40 pessoas) para cuidar de 2 000 funcionários, que estão espalhados em várias unidades industriais, operacionais e escritórios. Aqui na Schneider Electric, cada diretoria deve compartilhar suas decisões com o RH.

Como você enxerga o RH hoje? O que essa área precisa fazer para crescer? Toda ação tem um retorno de investimento. Às vezes, a área de recursos humanos faz inúmeras ações ao mesmo tempo sem medir esse retorno. Não consegue saber, portanto, qual ação demandou mais reação e impacto na empresa. O RH tem de saber estabelecer prioridades. Eles querem fazer muitas coisas ao mesmo tempo, e isso é impossível. É ótimo ter boa vontade, mas é preciso ser pragmático e ser sempre parceiro do negócio.

fonte:  http://revistavocerh.abril.com.br

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